Foto de Maria da Graça Carvalho.

Entrevista à Ministra da Ciência, Inovação e do Ensino Superior
Maria da Graça Carvalho
 
TV Ciência on-line:
A Inovação traz novas competências a Maria da Graça Carvalho, que ao ser reconduzida como ministra pode prosseguir e implementar as políticas traçadas no anterior Governo. Estas parecem ser as principais preocupações da ministra, na entrevista que concedeu à TVCiência. 
Ana Isabel Nunes
27-07-2004

 
TVCiência: Senhora Ministra, a mudança de nome do Ministério para «Ministério da Ciência e Inovação» corresponde a novas competências?

Maria da Graça Carvalho(MGC):
Sim, corresponde para já a uma visibilidade da área da inovação e, portanto, é uma porta de entrada no Governo de todas as questões relacionadas com inovação. É a face visível da inovação, toda a relação entre a Ciência, Tecnologia e o mundo empresarial e a sociedade em geral. E a coordenação será feita no nosso ministério com os outros ministérios sectoriais, em que a inovação tem expressão, nomeadamente nos assuntos económicos, como as questões da sociedade de informação, e nos outros ministérios sectoriais com os quais pretendemos desenvolver um trabalho de cooperação para promover a inovação, ... os ministérios do ambiente, dos transportes, do mar, da saúde...

Tudo isso já estava a acontecer, mas neste momento há uma maior visibilidade, uma maior institucionalização das questões da inovação e, portanto, mostra a importância que este Governo irá dar à área da inovação. No fundo é nosso propósito introduzir metodologias, processos, tecnologias, mas não só tecnologias, maneiras de utilizar essas tecnologias, de forma inovadora em todos os sectores.

TVCiência: Como é que vão começar, quais vão ser os próximos passos?

MGC: Nós temos um plano de acção, o Plano de Acção Ciência e Inovação, que é um plano de acção a longo prazo, um prazo até 2010. Mas com acções concretas desde já, até 2006, com vários eixos, desde o aumentar o investimento público em ciência e inovação e recorrendo muito aos fundos estruturais, mas também à contrapartida do orçamento de Estado, mas também a uma maior eficiência na execução desses fundos, e voltá-los sempre para uma ligação entre a ciência e a sociedade, a ciência e as empresas, a ciência e a sociedade em geral.

Um novo modelo de financiamento das unidades de investigação, que já foi divulgado, privilegiando muito os projectos em consórcio, das universidades e dos centros de investigação com empresas e com instituições fora do mundo científico.

Depois, o segundo eixo, é aumentar ou facilitar o envolvimento do sector privado em investigação e desenvolvimento, ... o financiamento público será um catalisador do financiamento privado através de co-financiamento, em ... projectos que envolvem privados e que não são financiados a 100% e, portanto, há um investimento próprio, através de medidas fiscais, para um meio de reserva fiscal que já existe do anterior governo, que promova um investimento dentro da própria empresa em investigação, desenvolvimento e inovação. Com mecenato científico que promove o investimento da empresa fora e, portanto, promover projectos de investigação fora da empresa, mas com certeza absorvendo os resultados desse investimento.

Depois temos o terceiro eixo: aumentar os recursos humanos, portanto, mais cientistas, essencialmente na área das novas tecnologias e da engenharia.

TVCiência: Como é que isso vai ser possível?

MGC: Através de bolsas, de um conjunto de bolsas. Temos isso nas políticas de acesso e temos isso mais a longo prazo, na divulgação científica, temos preparados três grandes programas de divulgação científica, uma na área da Biotecnologia, outras na Física, e na Matemática, no desenvolvimento sustentável que já tinha sido lançado e anunciado pelo secretário de Estado Jorge Moreira da Silva. Vamos implementar esses programas de divulgação científica para atrair os jovens.

O quarto eixo é o emprego científico. Queremos aumentar o emprego científico porque não basta formar cientistas é preciso criar as condições para que haja emprego científico. Em relação à inovação vamos lançar um Plano Nacional de Inovação - O catalisador desse plano, que com certeza não será o ministério em si, mas em conjunto com todos os parceiros, que de algum modo tenham a ver com inovação, iremos ter um Plano Nacional de Inovação, depois com planos sectoriais e iremos promover os planos regionais.

O desenvolvimento regional e a coesão social e económica baseada no conhecimento é também algo que queremos promover. Vamos financiar as redes de Regiões do Conhecimento para que numa determinada região as universidades e os politécnicos façam redes com as associações empresariais, sindicatos, ONG’s, empresas, com o poder local e com o poder regional, para que, depois essas redes, chamadas Redes do Conhecimento, possam discutir e promover os seus planos regionais de inovação, os valores acrescentados da região, onde apostar na região, qual o desenvolvimento, qual a investigação, qual a formação em ensino superior, formação profissional e aprendizagem ao longo da vida, mas de uma forma planeada e tendo em conta as necessidades de cada uma das regiões.

TVCiência: Falou há pouco na criação de mais emprego científico. Portugal tem sido recentemente palco de alguns congressos importantes, nós falámos com alguns investigadores que estiveram em Portugal a participar no Fórum de Neurociências e alguns deles diziam-nos que são portugueses que estão lá fora a desenvolver o seu trabalho em laboratórios no estrangeiro, que gostariam de regressar a Portugal e que sentem que não têm condições, nomeadamente a nível de progressão de carreira. Como é que o ministério pode, além das medidas que já anunciou, fazer mais para alterar esta situação?

MGC: Nós temos um programa, que também foi anunciado e que vai ser iniciado em Setembro, para suporte a quem quer regressar, tem quatro medidas, é o Programa Damião de Góis.

Tem quatro medidas: uma de projectos de investigação, outra de bolsas de retorno e desenvolvimento de carreira, outra é um fundo para despesas essencialmente para criar um laboratório, para criar as condições mínimas de trabalho para alguém que quer regressar, e depois há uma bolsa de excelência, um prémio para quem tiver um currículum de excelência. Mas eu sei que estes programas são programas que ajudam, mas não são o essencial. O essencial, como eu tenho dito várias vezes, para criar condições e para que os investigadores regressem é necessário que haja um sistema de Ciência estável e continuado e o financiamento à ciência, por um lado, por outro lado, que haja um estatuto de carreira docente, tanto universitário como politécnico, mais adequado aos dias de hoje e portanto mais aberto, que seja mais simples a entrada do exterior, de quem vem de fora do sistema.

Neste momento o estatuto, que é o estatuto que cumpriu o seu papel, tem 25 anos, é de uma altura em que os doutores estavam dentro do sistema universitário e (como no meu caso), a universidade mandava os seus assistentes doutorar-se lá fora, regressavam e continuavam a fazer os seus concursos, e chegavam a catedráticos.

É assim, que uma parte dos investigadores, dos cientistas dentro do sistema universitário, que neste momento são catedráticos, a maior parte, com algumas excepções, lá chegaram, porque o estatuto estava desenhado exactamente para isso.

Neste momento, uma grande percentagem dos nossos doutorados e dos nossos cientistas estão fora do sistema de ensino, estão nas unidades de investigação e, alguns estão no estrangeiro.

Nós temos de nos adequar, num mundo em que há muito maior mobilidade, que há uma maior globalização, para que possamos, também, atrair em igualdade de circunstâncias nacionais e estrangeiros, para que não seja necessário ter anos de carreira dentro do sistema universitário português para poder concorrer.

Tem que ter com certeza currículum, tem que ter competência e aptidão pedagógica e excelência, mas que não seja necessário, como é hoje, três anos de ensino, para concorrer a catedrático, depois, mais uns anos de ensino, portanto, essa proposta de estudo da carreira docente é exactamente um estatuto mais aberto e que promove a mobilidade e que permite a entrada em todos os patamares, agora a entrada é por assistentes, estagiários ou pessoal auxiliar e, portanto, que permita a entrada em qualquer patamar da carreira desde que o currículum e a competência o permitam.

É uma grande aposta, penso que é a alteração necessária para que se possa atrair investigadores que estão fora, é o estatuto tanto universitário como politécnico, um sistema estável, continuado, que dê condições de trabalho sem sobressaltos aos cientistas portugueses e estrangeiros que estão em Portugal.

TVCiência: Quando é que esse programa poderá «dar frutos»?

MGC: O estatuto... temos uma proposta para muito em breve, já estava pronto agora no fim do XV Governo, muito em breve vai ser discutido no actual Governo, para depois começar a ser negociado com os sindicatos, e depois concerteza aprovado para, durante o próximo ano lectivo, começar a ser implementado.

TVCiência: A avaliação dos Laboratórios e dos Centros de Investigação que tem tido por base a apreciação por peritos independentes com base em dados observáveis. O ministério está agora a propor um outro modelo?

MGC: Não! Em relação às unidades de investigação, temos índices de produtividade cientifica, de formação de doutores, transferência de tecnologia, transferência de saber, que são um complemento de financiamento às unidades de investigação, mas a avaliação, tanto a avaliação das unidades de investigação que são avaliadas em não satisfatório, regular, bom, muito bom e excelente é feita por painéis que são os mesmos do ano passado, como depois a atribuição desses índices é feita por esses painéis.

Existem é indicadores, como em toda a parte do Mundo, e em toda a Europa há indicadores de produção científica, mas o modelo em si de avaliação não mudou, o que nós temos é um modelo de financiamento que tem por base a avaliação e, ... consoante a unidade de investigação é regular, muito bom ou bom, é um determinado valor, consoante maior for a qualidade, e temos aí um financiamento base, depois temos a somar a esse financiamento proporcional aos indicadores de produção científica, produção de livros, de formação de doutores, de projectos com o exterior, temos complementos que se vão somando ao financiamento base, isto é novo, mas a avaliação é a mesma. Uma avaliação externa que vai continuar.

TVCiência: A perda de autonomia financeira por parte dos laboratórios de Estado tem causado diversas dificuldades no desenvolvimento de parcerias, sobretudo no financiamento. É esperado que esta situação se altere proximamente e que estes constrangimentos sejam ultrapassados?

MGC: Nós ... vamos constituir um grupo de trabalho para avaliar a situação com o objectivo de identificar as barreiras à dinamização dos Laboratórios de Estado. O Conselho Superior de Ciências, Tecnologias e Inovação está também a debruçar-se sobre esse assunto e é um assunto que iremos, neste Governo, ver com toda a atenção.

Há vários Laboratórios de Estado tutelados por nós, nos restantes temos dupla tutela e é importante dinamizar esses laboratórios de Estado, têm um papel muito importante e há certas barreiras à sua dinamização: algumas naturais, a faixa etária dos seus investigadores, por exemplo, é preciso ter meios e através dos fundos estruturais introduzir novos investigadores e bolseiros, cooperação com universidade e institutos politécnicos, temos que ver também a questão do equipamento científico, estudar a maneira de dinamizar os Laboratórios do Estado que têm um papel muito importante, e um dos pontos é exactamente todas as questões de gestão e administrativas que vão ser analisadas no âmbito desse grupo de trabalho e ver o que é que é preciso e necessário alterar.

TVCiência: Continua também a verificar-se algum constrangimento orçamental a propósito da contratação de novos investigadores nesses mesmo laboratórios... O que é que a senhora ministra espera fazer neste mandato, para conseguir inverter esta situação?

MGC: Como sabe, só alguns laboratórios é que estão connosco, nós temos a dupla tutela, mas uma tutela científica na maior parte, neste momento só temos laboratórios de Estado, os outros temos uma tutela cientifica, portanto o que nós, nos três laboratórios que temos, o que temos estado a ver com cada um dos laboratórios é exactamente neste domínio.

Como é conhecido de todos, estes dois últimos anos foram de contenção orçamental em que era difícil a contratação. Vamos colmatar essas deficiências com pacotes de bolsas a bolseiros, mas é preciso identificar as áreas.

Vamos ter bolseiros de investigação nesses laboratórios, estou-me a referir nomeadamente ao ITN, e estamos também a fazer uma profunda reestruturação do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, reorganização e redimensionamento dos serviços. É um laboratório de Estado que estava disperso por muitas localizações em Lisboa e, portanto, vamos tentar concentrá-lo em menos localizações de modo a ter uma maior eficiência e também menos gastos, uma eficiência e facilidade na organização do trabalho e a incentivar o recurso a projectos também fora desses laboratórios de Estado directamente na Europa, como os fundos estruturais e as bolsas.

Têm sido medidas que temos estado a estudar com os Laboratórios de Estado, de modo a colmatar as dificuldades existentes devido ao não aumento do orçamento de Estado para esses Laboratórios, mas tudo vai ser abordado dentro do grupo de trabalho que iremos formar para avaliar as condições dos Laboratórios do Estado.