Técnica on-line:
A nova abordagem da ciência e da tecnologia, por parte do governo, levou-nos a entrevistar o Presidente do Instituto Tecnológico e Nuclear, para que melhor se possam compreender os efeitos dessa abordagem no funcionamento deste tipo de instituições
Joana Cunha e Rodrigo Moraes (29-08-2003)
Curriculum Vitae: Prof. Júlio Montalvão e Silva

Neste momento é Professor do Departamento de Mecânica do IST e Presidente do ITN. É difícil para si conjugar as duas funções?
Não é fácil. Não podia abandonar totalmente o meu pequeno grupo, com responsabilidades assumidas em projectos de investigação e de desenvolvimento, nomeadamente para a indústria, nem as responsabilidades de orientação de dissertações de Mestrado e de Doutoramento. Até agora tenho conseguido. Quanto à actividade lectiva, apenas poderei vir a ter dificuldades com as aulas do curso de Mestrado. A Licenciatura não causa problemas. Sou responsável pelas disciplinas de Projecto Mecânico I e II que correspondem à realização de Trabalhos Finais de Curso. Os alunos que trabalham comigo têm projectos muito diversificados e não faz sentido ter um horário formal de aulas. O horário que pratico é de coordenação e orientação. Normalmente, os alunos contactam-me no meu gabinete para esclarecimento de dúvidas. Quanto ao ITN, há que começar por dizer que é uma instituição com muitas potencialidades, com investigadores e técnicos de elevada qualidade, a fazer excelente trabalho. O que acontece é que tem grandes dificuldades como todas as outras instituições do mesmo tipo. Estamos a atravessar, a nível nacional, uma fase difícil em que as dificuldades surgem em todos os lados e todos os dias. Perdemos, este ano, a autonomia financeira, sofrendo as consequências de um processo administrativo mais burocratizado. Não há a possibilidade de funcionar de uma forma flexível, isto é, quando uma pessoa está a fazer um trabalho para o exterior ou tem um projecto com outras instituições estrangeiras, ou mesmo um projecto nacional (normalmente com o apoio da FCT), há que cumprir prazos, há que executar um determinado tipo de tarefas em tempo útil, há que fazer pagamentos, e tudo isso passa por alguma flexibilidade na utilização dos dinheiros. Não é fácil ter de esperar por procedimentos mais demorados de libertação de verbas para se poderem efectuar pagamentos imprescindíveis à execução das tarefas.

O ITN pode tirar maior partido das suas potencialidades
e aumentar a sua contribuição para o desenvolvimento do nosso País.

Por que é que um professor do Departamento de Engenharia Mecânica, área que não existe directamente no ITN, aceita ser presidente desta instituição?
A única resposta possível é ter sentido tratar-se de um desafio aliciante. Poder-se-ia pensar que seria, talvez, mais lógico ou natural que a Presidência do ITN fosse exercida por pessoas mais ligadas a áreas de actividade no âmbito do “nuclear”. Acontece que o convite me foi feito e eu aceitei. Penso que terá tido alguma importância nesta escolha o facto de, no passado, ter exercido algumas funções que, pelos vistos, terão sido entendidas como bem desempenhadas. Fui Presidente do Instituto Superior Técnico em 1981 e 1982, numa altura em que as dificuldades, embora de outro tipo, não eram poucas. Depois disso, em 1983, fui para Setúbal instalar o Instituto Politécnico de Setúbal. Quando fui para lá, o que existia era um campo de sobreiros. Não havia mais nada. Neste momento, está lá uma instituição com, não sei se quatro mil ou cinco mil alunos e com cinco escolas de Ensino Superior. Deixei Setúbal em meados de 1991, na altura já com duas escolas a funcionar em pleno. Foi um trabalho muito interessante. Foram 8 anos de actividade intensa e note-se que, durante esse período, também nunca deixei de orientar dissertações de Mestrado e Doutoramento, para além de outras actividades que incluíam aulas, no IST. Toda essa minha actividade no passado poderá ter dado como resultado, que o nosso Ministro entendeu que eu poderia ser uma pessoa útil nesta função. Vamos lá ver como é que eu me saio.

É Presidente da instituição com o único reactor nuclear em Portugal do momento. Qual é, para si, a mais-valia que este Instituto pode ter no desenvolvimento de Portugal?
Deixem-me começar por afirmar que o ITN é, desde a sua criação, uma mais-valia para Portugal. Talvez não se tenha tirado partido disso correctamente por falta de uma definição adequada de uma estratégia de desenvolvimento e actuação desta instituição. O ITN pode tirar maior partido das suas potencialidades e aumentar a sua contribuição para o desenvolvimento do nosso País. O reactor nuclear é apenas uma fracção dos instrumentos ou equipamentos cuja utilização por pessoas altamente qualificadas e especializadas dá ao ITN uma grande capacidade de intervenção em diversos domínios. O curioso é que muitas pessoas (ou até talvez a maior parte das pessoas) não sabem que existe um reactor nuclear em Portugal, cuja construção se iniciou em 1959. É um reactor de investigação, não se destinando (nem possuindo o necessário equipamento adicional) a produzir energia eléctrica. Tem uma potência baixa (apenas 1 MW) e serve para desenvolver algumas actividades de investigação e ainda para manter um determinado “know-how” nacional indispensável se queremos evitar uma total dependência de outros países. Reparem que na altura, em 1959, não existia uma postura de oposição ao nuclear. Estávamos na época dos “Átomos para a Paz” e as centrais nucleares eram encaradas como a solução para as necessidades energéticas. Portugal não podia deixar de criar o seu próprio “know-how” formando um corpo científico e técnico capaz de compreender, dominar e desenvolver o aproveitamento da energia nuclear e de todas as suas aplicações. Esta atitude optimista foi-se modificando com a generalização do conhecimento da problemática dos resíduos e dos efeitos nefastos da radioactividade. A “guerra fria”, a constante referência aos perigos para a humanidade da utilização militar e acidentes como o de Chernobyl contribuíram fortemente para este processo criando nas populações uma espécie de terror psicológico.  O que é curioso é que esta atitude mental tende a ignorar a imensidade de aplicações que fazem parte do nosso quotidiano nomeadamente nas áreas da medicina, biologia, química, materiais, indústria, agricultura, engenharia, etc., etc. A investigação é essencial para o desenvolvimento e controlo de todas estas aplicações e o ITN constitui uma opção estratégica Nacional indispensável à manutenção e ao desenvolvimento de competências e capacidades neste domínio. Reparem que salientar todas as aplicações que fazem parte do nosso dia-a-dia não implica esquecer que estamos a lidar com equipamentos e substâncias potencialmente perigosas se inadequadamente controladas e utilizadas. O ITN tem também um papel essencial, legalmente atribuído, neste controlo, com especial preocupação no domínio da protecção radiológica e segurança nuclear. Este papel é aquilo a que eu chamo de Missão Pública do ITN. Dou-vos alguns exemplos simples e fáceis de entender que mostram a importância destas questões. Pensem na quantidade de aparelhos de raios X e de cobalto espalhados por esse país fora em hospitais, clínicas e consultórios. Todas estas instalações têm de ser licenciadas e calibradas, os locais onde se encontram devem estar adequadamente protegidos e as pessoas que com elas lidam quotidianamente devem ser regularmente sujeitas a análises com vista à verificação das quantidades de radiação a que foram submetidas (que devem ser inferiores a determinados limites internacionalmente estabelecidos). Outro exemplo: Espanha dispõe, se não me engano, de 9 reactores nucleares para produção de energia eléctrica, dois dos quais muito perto da nossa fronteira e junto dos rios Tejo e Douro. É indispensável controlar as águas desses rios, regularmente, a fim de confirmar que não foram efectuadas descargas perigosas que, obviamente, atravessariam o nosso território. De forma semelhante, sempre que somos visitados por navios de propulsão nuclear, é necessário confirmar que não houve qualquer efeito da sua permanência nas nossas águas. Tudo isto faz parte de algumas das atribuições do ITN. Não fiz ainda qualquer referência à poluição ambiental nomeadamente através de elementos radioactivos que circulam na atmosfera e se podem depositar, principalmente se ocorrer um acidente nuclear noutro país, afectando pessoas, animais e plantas. O controlo ambiental e dos alimentos e águas é também uma preocupação do ITN. Para finalizar posso referir a esterilização de produtos de vários tipos, nomeadamente para a indústria farmacêutica, recorrendo a tecnologias de radiação. O ITN dispõe de uma pequena unidade para o efeito e presta serviço a diversas entidades. Neste âmbito, posso dizer que estamos a trabalhar no sentido de, a curto prazo, se vir a criar em Portugal uma instalação industrial para este tipo de actividade. Reduzem-se custos de produção de indústrias nacionais já existentes (que teriam de recorrer ao estrangeiro se não existisse uma unidade deste tipo) tornando-as mais competitivas, criam-se novos postos de trabalho e, principalmente, criam-se condições mais aliciantes para o estabelecimento de novos equipamentos industriais que necessitam daquelas tecnologias.

Estamos a falar só em radiação nuclear...
Estamos a falar naquilo que genericamente se designa por radiações ionizantes.

Mas estamos a falar de cerca de um quinto, um quarto das competências do ITN...
Depende do entendimento que está por de trás dessa questão. Com muito poucas excepções, o pessoal do ITN desenvolve actividades em áreas muito diversificadas e com interesse para a medicina, biologia, engenharia, indústria, etc., com especial incidência na utilização de radiações ionizantes. Os investigadores do ITN são gente altamente qualificada e competente e são perfeitamente capazes de diversificar ainda mais a sua actividade. Do ponto de vista da protecção radiológica, a situação actual das actividades em curso representa cerca de metade, senão mais, da prestação de serviços. No entanto, se considerarmos as actividades de investigação e desenvolvimento, quer de âmbito nacional quer internacional, nas restantes áreas, julgo que poderemos dizer que correspondem a cerca de 90% ou mais. Tanto umas como outras são geradoras de receitas sem as quais o ITN não poderia funcionar.  Actualmente a questão que se pode colocar liga-se à definição da estratégia a adoptar para o futuro e pode resumir-se a duas opções: aumentar e diversificar as áreas de intervenção com vista a uma maior cobertura das necessidades de desenvolvimento tecnológico do País, passando o “nuclear” a representar apenas uma pequena fracção, ou, em alternativa, caminhar na direcção da especialização e tornando o ITN um verdadeiro centro de excelência nesse domínio. Não vou dissertar agora sobre qual a melhor opção. Posso é dizer que a primeira implica a necessidade de alguma expansão o que, nas circunstâncias actuais, só seria possível fomentando o estabelecimento de parcerias e acções de colaboração, utilizando espaços e equipamentos existentes ou a adquirir, com outras instituições e/ou laboratórios universitários. Note-se que a alternativa da especialização também beneficiaria desta cooperação. Infelizmente o que se passa neste momento é uma redução do pessoal e o seu envelhecimento por força das circunstâncias que impedem o ITN (tal como outras instituições semelhantes) de preencher os lugares vagos no seu quadro de pessoal e muito menos de se expandir. A título de exemplo, o quadro de investigadores contempla 120 lugares e só cerca de 70 se encontram actualmente ocupados. No que se refere ao pessoal técnico o panorama é semelhante senão pior. Julgo ser importante salientar a existência de alguma desmotivação, que urge quebrar, no pessoal investigador existente impedido de prosseguir a sua carreira por força legal. Há diversas situações de evidente injustiça em que investigadores com excelentes curricula científicos se mantêm na base da carreira quando, se a oportunidade existisse, poderiam facilmente encontrar-se no topo da mesma. Tenho de reconhecer a existência do chamado “amor à camisola”, gosto pela actividade e espírito de sacrifício, na maioria dos nossos investigadores.

E em termos de energia, cerca de 30% da energia consumida pelos portugueses é produzida em Espanha, por energia nuclear.
Bom, eu não tenho esse número presente na cabeça, mas penso que sim, em Espanha ou em França. Nós já importámos energia dos dois lados e muita dessa energia tem origem, efectivamente, nas centrais nucleares.

O Professor prevê alguma presença de um reactor nuclear em Portugal?
Está a falar, naturalmente, de um reactor para produção de energia eléctrica. Isso é uma pergunta que se pode considerar politicamente muito pouco correcta. E é difícil responder. Há todo o tipo de correntes, em termos de opinião, em relação a isso, em termos internacionais, pelo menos entre pessoas mais conhecedoras do sector energético e dos problemas ambientais. Na opinião de muitos, o regresso à opção nuclear não tem alternativa credível. Nós estamos dependentes das barragens, do petróleo, do carvão e do gás natural. Quanto às centrais hídricas, já atingimos praticamente o limite. As centrais térmicas a carvão e a fuel são altamente poluentes. Restam as centrais térmicas a gás natural, menos poluentes que as anteriores. Neste momento decorre um programa de reconversão de centrais térmicas para gás natural como forma de reduzir os níveis de poluição por elas provocado. Quanto às energias renováveis, todas muito caras, a única que parece ter alguma viabilidade prática (no sentido de poder ter algum significado) é a eólica, existindo também um programa nacional para a sua utilização em maior escala. Mas esta última opção nunca poderá resolver os problemas decorrentes do rápido crescimento das necessidades energéticas. O gás natural constitui uma opção que deixa Portugal totalmente dependente do estrangeiro e ainda por cima de países a que se associa alguma instabilidade política. Daí poder concluir-se que é previsível um ressurgimento da opção nuclear. Portugal, se não seguir essa via terá necessariamente de importar. Note-se que estou a falar em opção nuclear baseada em processos de cisão que são os existentes em todas as centrais nucleares em funcionamento. A alternativa futura, ou se quiserem o sonho, é conseguir construir reactores nucleares baseados em fusão. Este processo utiliza átomos leves, como os do hidrogénio o elemento mais abundante no universo, e é praticamente não poluente. Infelizmente, ainda não se domina o processo e os problemas tecnológicos a resolver são muitos. Talvez daqui a 20 ou 30 anos lá cheguemos.

Se Alqueva der muita energia...
Não será suficiente. Seriam precisas mais Alquevas. Construir mais barragens, as poucas que ainda poderíamos construir aproveitando os nossos recursos, começa também a ser uma decisão difícil, porque teríamos que meter debaixo de água vestígios arqueológicos significativos do nosso passado que as pessoas querem preservar. Temos limites difíceis de ultrapassar. É um ponto de interrogação.

Fotografia de Montavão e Silva.

Não há maneira de sobreviver se não houver mais valias integradas nos produtos,
para além do puro facto de se fabricar ou construir.

O Professor falou já de algumas competências do ITN. Que outras actividades é que o ITN desenvolve?
O ITN, para além do Reactor Nuclear de Investigação, tem um Sector de Física, um Sector de Química e um Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear. É essa a sua estrutura actual. Em qualquer uma dessas áreas desenvolvem-se as mais diversas actividades. No edifício do Reactor, para além de actividades com ele relacionadas e envolvendo a sua operação e exploração, desenvolvem-se estudos relacionados com a dispersão atmosférica de elementos químicos e o seu impacto sobre a biosfera e ainda estudos sobre o comportamento vibratório e acústico de componentes mecânicos. O Sector da Química tem vindo a desenvolver diversas actividades nomeadamente no âmbito da ciência dos materiais, arqueometria, geoquímica da superfície terrestre, estudos geológicos ambientais, química analítica do ambiente, química inorgânica, organometálica e radiofarmacêutica. O Sector da Física dedica-se a actividades de investigação fundamental e aplicada utilizando, entre outros, um laboratório de feixes de iões, um laboratório de materiais para temperaturas elevadas, espectrómetros de neutrões e uma unidade de radiações gama (utilizada na esterilização de que já falei). Finalmente, o departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear, como o seu próprio nome indica, tem a seu cargo a criação de bases de dados de doses de radiação recebidas pelos trabalhadores, a avaliação da segurança radiológica de instalações e outras acções de carácter semelhante como a vigilância da radioactividade em minas de urânio e a monitorização regular de alimentos, águas e atmosfera. Dedica-se também à calibração de equipamento e à recuperação e armazenamento de resíduos radioactivos. É impossível ser exaustivo pelo que julgo ter dado um panorama global que corresponde ao actual ITN.

Portanto, são quatro as áreas principais do ITN...
Exactamente. Essa é a estrutura actual do ITN. Já agora e como falei anteriormente na Fusão como alternativa energética à Cisão, deixem-me dizer-lhes que o Sector da Física tem um grupo também a trabalhar na fusão, em colaboração com o grupo do Professor Carlos Varandas do IST. Pretendemos também estabelecer colaboração com o Professor Tito de Mendonça, do IST, que trabalha na mesma área mas utilizando tecnologia laser. Tem um laboratório que, devido ao prolongamento de uma linha do Metropolitano de Lisboa, terá de ser mudado. Já o informámos de que estamos disponíveis para o acolher e ao seu grupo prosseguindo a sua actividade no campus do ITN.

Na área da protecção...
A Protecção constitui mesmo o único departamento com alguma autonomia dentro do ITN, de acordo com a lei orgânica que aquela instituição tem. A protecção é, no fundo, um grupo de pessoas que se preocupa, fundamentalmente, com aquelas actividades que eu referi anteriormente: a dosimetria, o isolamento das salas, o controlo e calibração de equipamento emissor de radiações ionizantes (estamos a falar fundamentalmente em raios X e cobalto). Existem imensos equipamentos destes espalhadas pelo país, que têm que ser controlados. O controlo e autorização de entrada e saída de Portugal de fontes radioactivas tem de passar pelo ITN e a Protecção tem essa responsabilidade. A actividade de investigação na Protecção, neste momento, está muito reduzida porque os investigadores não têm tempo para o fazer em maior escala dadas as inúmeras e constantes solicitações para prestação de serviços no âmbito das actividades que referi antes. O problema é que também o número de pessoas que podem ajudar nessa actividade (refiro-me a pessoal técnico) tem vindo, a pouco e pouco, a reduzir-se, não havendo possibilidade legal de contratar e formar novos técnicos.

A nossa actividade, tal como a do Ensino Superior, é indispensável se quisermos que a nossa indústria evolua.

Há algum projecto relevante que o Professor gostasse de referir em que o ITN esteja envolvido neste momento ou que tenha a curto prazo?
No âmbito da colaboração entre entidades públicas e privadas, o projecto mais relevante que temos neste momento entre mãos já foi referido anteriormente. A ideia é contribuir para a criação de um consórcio para montar equipamento industrial para actividades relacionadas com as tecnologias de radiação nomeadamente para a esterilização. Este projecto envolve a recuperação de uma pequena unidade existente no ITN e em fim de vida, não havendo recursos próprios para a recarregar. O problema é que as fontes radioactivas estão sempre a trabalhar. A radioactividade é uma coisa que o Homem não consegue ligar e desligar a seu bel-prazer. Portanto, o material radioactivo vai perdendo capacidade ao longo do tempo. Isso dá, como resultado, que a unidade que temos no ITN está a atingir praticamente o limite da sua vida. Entretanto, existe indústria nacional que produz e exporta uma série de produtos, utilizados nomeadamente pela indústria farmacêutica, que precisam de ser esterilizados; o processo de esterilização mais adequado é por irradiação. Nós não temos capacidade de suporte e não há mais ninguém, em Portugal, que faça isso. Portanto, a ideia é entusiasmar os empresários a juntar esforços, com financiamentos eventualmente participados através de programas incentivadores que o Estado gere, para montar, algures no País, uma instalação industrial para essa actividade. O ITN teria um papel importante como entidade que pode, efectivamente, dar o seu know-how para a condução desse tipo de equipamento, para a formação das pessoas que com ele trabalham e, entretanto, também tirar benefícios, gerando receita. O interesse para a nossa indústria e para o nosso País é óbvio, contribuindo para um aumento de competitividade e criação de novos postos de trabalho. Acresce o facto de se contribuir para dinamizar o mercado nacional com a potencial entrada de novos agentes ao nível das indústrias utilizadoras das técnicas de esterilização por radiação uma vez que, podendo ter acesso a esse serviço no nosso País, poderão canalizar para Portugal algum do seu investimento, estabelecendo aqui as suas unidades de produção e/ou alargando as suas áreas de actividade ou respectiva capacidade.

Quais as relações (colaboração) entre a investigação realizada no ITN e a investigação realizada nos centros universitários? Vimos, na página da Internet que tem com a Faculdade de Ciências e, como o Professor já falou, com o Técnico...
A colaboração estende-se, efectivamente, a uma série de instituições de Ensino Superior. Julgo ser oportuno salientar o papel que o ITN tem tido (e que é incentivado pela actual Direcção) no domínio da formação. O ITN colabora, regularmente, com diversas instituições. Esta colaboração, que não tem tido a visibilidade que merecia, faz-se não só a nível da leccionação de assuntos para os quais é a entidade globalmente mais competente como também na orientação de dissertações de Mestrado e Doutoramento, estágios e acompanhamento e orientação de trabalhos executados nos seus laboratórios. O ITN também tem realizado formação profissional e o número de bolseiros que nele desenvolve actividades é bastante elevado. Francamente, não sei dizer com quantas instituições colaboramos, porque são muitas. Vale a pena fazer um apanhado dessas situações. Embora não tenha ainda uma ideia clara das instituições com quem colaboramos, julgo de salientar os casos do Instituto Superior Técnico, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Coimbra. Não me estou a recordar de nada que envolva o Porto, mas, se calhar, também há. E depois, temos colaboração com instituições tipo Politécnico, nomeadamente, com Escolas Superiores de Tecnologias da Saúde e de Enfermagem, porque a formação na área da radiologia passa, muitas vezes, pela realização de partes da actividade de formação no próprio ITN, nomeadamente através de estágios e actividades laboratoriais.

Quais as percentagens de investigação fundamental e de investigação aplicada realizadas no ITN?
Francamente, essa é uma pergunta a que não sei responder.

Faz-se muita investigação fundamental, ou mais aplicada?
Fotografia de Montavão e Silva.Faz-se de tudo um pouco. Mas julgo poder dizer que a maior parte da investigação se pode classificar como aplicada. Instituições como o ITN têm um papel fundamental que é o de servirem o meio exterior actuando como charneiras junto da indústria. Diz-se vulgarmente que a Universidade deve fazer mais investigação fundamental e que estas instituições devem fazer mais investigação aplicada. Mas isso, na minha opinião, não pode ser assim encarado de forma linear. Para já, onde é que acaba a investigação fundamental e começa a aplicada? A investigação aplicada precisa de ter algum suporte na investigação fundamental e não basta ir buscar o conhecimento da investigação fundamental executada noutras instituições para, logo de seguida, se começarem a desenvolver as correspondentes actividades de investigação aplicada utilizando esses conhecimentos.  O nosso campo de trabalho tem necessariamente de envolver todos esses domínios de investigação. A nossa actividade, tal como a do Ensino Superior, é indispensável se quisermos que a nossa indústria evolua. É óbvio que o tempo da mão de obra barata no nosso País acabou. Não há maneira de sobreviver se não houver mais valias integradas nos produtos, para além do puro facto de se fabricar ou construir. É preciso “meter” engenharia, “meter” ciência naquilo que se faz. Temos de ser capazes de integrar naquilo que fazemos, aquilo que a nossa massa cinzenta permite. Isso significa que temos de investir muito, mas mesmo muito, na formação de quadros de pessoal altamente qualificado, portanto, em vocês jovens. Vocês é que são o nosso futuro, não somos nós. É em vocês que temos de investir, formar-vos o melhor possível e ao mais alto nível, para vocês terem capacidade, seja na actividade pública, seja na privada, mas principalmente na privada, de fazer chegar ao local de trabalho o vosso conhecimento, o vosso know-how, no sentido de ele poder ser integrado, inovando os produtos e competindo com os outros países. Senão, não vamos a lado nenhum. Não é com serviços, não é com comércio, não é a vender que se produz. Importar produtos para depois os vender e tirar uma margem deste processo, não traz nada para o país. O país tem que produzir e exportar para entrar riqueza. Se isso não acontecer, não há futuro possível. Nós temos que desenvolver esse tipo de actividade com muita força. Ora bem, a investigação aplicada tem que ver com este binómio indústria/instituições porque a indústria não tem capacidade de, por si só, suportar os custos de uma actividade de investigação e desenvolvimento. A única solução é recorrer aos Centros de Investigação, às Universidades e aos Institutos e Laboratórios do Estado. Esses locais possuem o pessoal altamente qualificado que detém as competências e capacidades desempenhar actividades no sentido de satisfazer aquilo que são os interesses do industrial.

Neste momento, faz sentido o ITN ser uma unidade de investigação directamente dependente do MCES (Ministério da Ciência e Ensino Superior) ou deveria, por outro lado, estar integrado numa universidade?
Esse é um tema que surge com alguma regularidade. O ITN poderia perfeitamente estar integrado numa Universidade desde que não fossem adulteradas as suas funções. A título de desabafo, deixem-me dizer-lhes que, do ponto de vista da manutenção da autonomia financeira, valia a pena essa situação. Fazer sentido que esteja ligado ao MCES, faz. Tal como uma universidade, o ITN produz ciência e aplica-a prestando o mais diverso tipo de serviços ao País. A única coisa que o ITN não faz, em comparação com uma universidade, é cursos de formação inicial porque não tem competência legal para isso. No entanto, faz formação e colabora na formação, em apoio de diversas instituições universitárias e politécnicas, a nível de bacharelatos, licenciaturas, mestrados e doutoramentos. A universidade tem centros de investigação, mas a grande maioria do potencial humano dos centros de investigação da universidade são os seus próprios docentes. Os docentes universitários têm que usar parte do seu tempo a preparar as aulas e a leccioná-las. Portanto, não têm grande parte do seu tempo disponível para utilizar os equipamentos para desenvolver actividades de investigação. A universidade também tem grandes dificuldades em termos de pessoal técnico para trabalhar com os equipamentos dos laboratórios. A maior parte das vezes, o que acontece é que são os próprios docentes que manipulam os equipamentos que têm nos seus laboratórios. Isso significa que o laboratório pode ficar inoperacional uma boa parte do tempo, porque o docente tem de interromper essa actividade para dar ou preparar aulas, efectuar avaliações e lançar notas. Esta situação é muitas vezes ultrapassada quando existem alunos de mestrado ou de doutoramento que estejam nessa actividade em tempo integral. Mas em muitos casos não é assim. Em consequência, a maior parte dos equipamentos não tem uma utilização que se aproxime de uma adequada rendibilização dos investimentos que permitiram a sua existência. Uma instituição em que o pessoal não exerça actividades regulares de leccionação tira muitíssimo mais rendimento dos equipamentos existentes nos laboratórios. Também desta forma se justifica que as grandes unidades laboratoriais, de elevado custo, se encontrem em instituições de investigação como os Laboratórios do Estado. Temo que a integração de uma instituição, de um laboratório do Estado como este, numa universidade, pudesse dar origem a, pelo menos, médio prazo, à redução efectiva do número de pessoas na carreira de investigação e, portanto, o laboratório tenderia a perder rendimento.

Mantendo-se ligado ao MCES e, tendo em vista que perdeu a autonomia financeira, quais são as estratégias para financiamento do ITN?
A autonomia financeira é apenas um processo administrativo de gestão de dinheiros que permite uma maior flexibilidade de funcionamento. Autonomia financeira não quer dizer, nunca quis dizer, que se possa gastar dinheiro como se queira. As regras da gestão dos dinheiros públicos são as mesmas, em termos gerais. Agora…, há mais flexibilidade. A perda de autonomia financeira não interfere com as estratégias de financiamento que passam pela geração de recursos com base no crescimento do número de projectos e das actividades de ligação ao meio exterior via prestação de serviços. No entanto, não é possível gerar dinheiro sem, simultaneamente, gastar dinheiro. A execução de projectos e serviços passa pela realização de gastos, em tempo útil, sem o que não é possível cumprir prazos. As dificuldades administrativas são um entrave que retira flexibilidade ao funcionamento.

Não há essa flexibilidade...
Essa flexibilidade foi substancialmente reduzida com a perda da autonomia financeira. A estratégia, neste momento, é apostar em tudo que possa gerar receita e em que exista capacidade de actuação.

Isso parte tudo de uma política de contenção, neste momento...
De acordo, mas eu tenho a impressão que houve, talvez, um erro. Não sei se me fica bem dizer uma coisa destas, mas talvez não se tenham previsto as consequências, para instituições como o ITN, da referida perda de autonomia. Faço notar que as universidades e os seus centros de investigação não foram abrangidos por esta medida. Vai-se gastar menos. Mas vai-se gastar menos por maiores dificuldades em gastar. Como política para uma maior contenção de despesas tem alguns resultados. O problema é que há financiamentos contratuais que implicam gastos em determinados prazos. Atrasos na execução dos correspondentes projectos podem implicar devoluções de dinheiro que, embora fora do prazo, foi gasto. Imaginem portanto as dificuldades que daí podem resultar. A estratégia, neste momento, é apostar em tudo que possa gerar receita e em que exista capacidade de actuação. A história da estratégia é uma coisa muito bonita, mas não é à Universidade, nem aos laboratórios do Estado, que compete definir qual é a estratégia para o País. O Governo devia ser capaz de estabelecer, para o País e num determinado período, qual a estratégia a seguir. De alguma forma até se pode dizer que é isso que se faz. Quando uma Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que é o grande financiador da ciência em Portugal, diz que está aberto um determinado tipo de programa de incentivos à investigação, que se vão privilegiar certas áreas científicas e se especifica quais são essas áreas científicas, está, de alguma forma, a estabelecer a estratégia para o País. Não creio que seja esta a melhor forma de o fazer nem me parece que este tipo de decisões assente em qualquer estudo prospectivo de desenvolvimento.

Foi uma grande medida criar o Ministério da Ciência e Ensino Superior que, por sua vez, deu um maior apoio à Fundação para a Ciência e a Tecnologia...
Desde que o Ministério da Ciência e Ensino Superior não se preocupe só com o ensino superior. Desde que não perca, da sua visão, a necessidade de olhar para as instituições que, fundamentalmente, desenvolvem ciência e tecnologia e que, naturalmente são parceiras das instituições de ensino complementando-as através dos seus recursos humanos e materiais. A existência de cerca de 50 estudantes (bolseiros) de doutoramento e de cerca de 20 estudantes (também bolseiros) de mestrado a trabalhar nas nossas instalações sob orientação ou co-orientação dos nossos investigadores é prova substancial disso. Como já referi, uma das estratégias que nós temos neste momento, é apostar ainda mais fortemente na cooperação com as instituições de ensino superior e apostar também fortemente na formação a outros níveis como, por exemplo, o dos técnicos profissionais. O desenvolvimento de Portugal só será conseguido de forma sustentada se dispuser de recursos humanos devidamente habilitados.